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A Verdade sobre a Mentira

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No Dia das Mentiras falámos com a Doutora Isabel Sá (investigadora auxiliar da Faculdade de Psicologia) sobre o impacto da mentira.

Considera que mentir faz parte das nossas vidas?
Sim na medida em que facilitam as relações sociais. Umas correspondem a convenções, como quando alguém nos pergunta: “Estás boa?” Não estamos à espera que nos respondam com uma narrativa detalhada do seu bem e/ou mau estar, trata-se de uma forma de saudação.
Também não esperamos que os outros sejam sempre sinceros e verdadeiros e digam exatamente o que pensam sobre nós. O mundo seria um lugar muito desagradável se estivéssemos sempre a ouvir que a camisola que comprámos com tanto carinho “tem uma cor horrível”, que o modelo de carro que escolhemos “é o pior do mercado” ou que o nosso colega de trabalho “nos acha limitado”. Ou seja, há “verdades” que dispensamos saber.

Pode ser considerado um vício?
Mentir não é um vício, mas quando uma pessoa inventa coisas sobre aspetos importantes da sua vida pessoal ou profissional, pode-se ver enredado num ciclo vicioso de mentiras em que tem de continuar a mentir para não revelar mentiras anteriores.

O que leva as pessoas a mentir?
De forma geral, no nosso quotidiano, mentimos por duas principais razões: para protegermos os sentimentos dos outros e mantermos relações interpessoais positivas e para nos protegermos a nós próprios. No primeiro caso estamos a falar de regras sociais para a expressão do que sentimos ou pensamos e que ensinamos as nossas crianças a cumprir: agradecer um presente mesmo que se tenha ficado desapontado, dizer que a comida está boa (e pior ainda comê-la toda…) quando se vai a casa de um familiar, dizer que estávamos sem bateria no telemóvel porque não temos coragem de dizer que não quisemos atender a chamada do amigo. Em qualquer dos casos estaríamos a magoar desnecessariamente os sentimentos dos que nos são próximos, por isso lhes chamamos “mentiras inocentes ou piedosas”.
Noutras situações, não somos verdadeiros para protegermos a nossa autoestima: podemos ter vergonha de dizer que temos medo de cães ou de aranhas; escondemos que tivemos um mau resultado num teste ou que não cumprimos um compromisso porque estivemos doentes quando na realidade fomos ao cinema. Assim, procuramos que os outros mantenham uma imagem de nós positiva. Ainda noutros casos, mentimos para obter qualquer coisa dos outros como atenção e ajuda.
Por exemplo, exageramos uma dor para que se preocupem connosco ou para evitar ter de fazer alguma tarefa desagradável.
Uma das razões mais frequentes para a mentira, principalmente no caso das crianças, é evitar sermos criticados ou castigados pelos nossos atos, pelo menos temporariamente enquanto a mentira não é descoberta.

Existem pessoas com maior tendência para a mentira?
A maior ou menor tendência para mentir resulta, por um lado, da história de aprendizagem da pessoa, isto é, se viveu em contextos onde a mentira era muito frequente e se aprendeu a atingir os seus objetivos, com relativa facilidade, através da mentira. Por outro lado, também depende dos valores que a pessoa interiorizou e orientam o seu comportamento, por exemplo, que nunca se deve mentir porque é ser-se “falso” ou “insincero” ou que pode haver boas justificações para a mentira, como conseguir o que se quer ou não magoar alguém.

Porque mentimos a nós próprios?
É difícil enganarmo-nos conscientemente a nós próprios, o que se passa é que todos construímos representações sobre o mundo, sobre nós, os outros e como achamos que os outros nos veem e essas representações nem sempre correspondem à realidade. A Psicologia tem estudado aprofundadamente os processos subjacentes a estas distorções da informação, ou seja, o que nos leva a selecionar os aspetos de uma situação a que damos atenção em detrimento de outros. Por exemplo, quando falam de nós temos tendência para dar mais relevância às qualidades que nos são atribuídas do que aos defeitos. Ou ainda, podemos comparar o nosso desempenho numa tarefa com pessoas piores do que nós para nos vermos a uma luz mais favorável. O romance não policial de Agatha Christie, sob o pseudônimo de Mary Westmacott, intitulado “Ausência na Primavera”, faz um retrato muito preciso sobre a forma como uma pessoa pode distorcer a realidade, estando convencida que a sua perspetiva é verdadeira e como isso pode criar equívocos nas relações com os outros.

Que sinais denunciam que a pessoa está a mentir?
Muitas vezes, quando conhecemos bem uma pessoa, conseguimos perceber, através do seu comportamento não verbal e das suas expressões faciais, quando não está a ser verdadeira. Paul Ekman, um psicólogo reconhecido que inspirou a série de televisão “Lie to me”, tem estudado as emoções e a sua relação com as expressões faciais, nomeadamente, como micro-expressões podem denunciar que uma pessoa está a mentir. Existem indicadores universais e outros mais comuns a um grupo ou comunidade. Todos nós aprendemos alguns desses indicadores em função das situações e do conhecimento da pessoa, mas detetar mentiras é um campo de estudo por direito próprio, como Paul Ekman tem demonstrado nos últimos 50 anos.

Qual o verdadeiro impacto de uma mentira?
Isso depende muito de quem mente a quem e do contexto: mais familiar ou uma comunidade ou grupo social. Já vimos que algum tipo de mentiras favorece as relações sociais e nos protege a nós próprios. No entanto, o uso excessivo da mentira, no mínimo, faz com que sejamos vistos como pouco sinceros e, quando utilizada em benefício do próprio, como indignos de confiança. As relações próximas, de amizade ou amorosas, constroem-se com base na franqueza e honestidade, pelo que o impacto mais frequente da mentira talvez seja os conflitos entre as pessoas e o romper de relações significativas.

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